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As inconsistências dos estudos ambientais

Há tempos prometemos uma avaliação do EIA-Rima do Acquário sob o ponto de vista ambiental. Essa semana recebemos a colaboração do biólogo e mestrando em Ciências Marinhas Tropicais, Daniel Santos da Silva.

Ele expõe várias inconsistências achadas na leitura do EIA-RIMA do Acquário, do ponto de vista científico, requisito desse tipo de documento. São imprecisões que, a exemplo dos estudos arqueológicos, invalidam a análise já que não deixam base para se discutir os impactos que se buscaria analisar.

E pior, Daniel indica algo que também havia chamado nossa atenção, mesmo em uma leitura leiga. Em alguns momentos os autores do EIA comentam ações que só poderiam ser iniciadas depois da aprovação do próprio estudo. É um posicionamento claro de quem mais promove um empreendimento, do que o estuda propriamente. Ou seja, não é exagero dizer que o instrumento já era considerado aprovado antes mesmo de ter sido terminado, e isso explica o descuido em sua confecção. De fato, como aponta Daniel, houve mais cuidado em citar as atrações do parque temático em que se converte o Acquário, do que as espécies protegidas na orla de Fortaleza, que ele impacta.

Considerando esses pontos. Será mesmo que podemos acreditar que é mesmo à Ciência que se destina o Acquário?

Abaixo o texto na íntegra de Daniel Santos Silva, pós-granduando no Labomar, que em público agradecemos.

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O capítulo referente ao Diagnóstico Ambiental (capítulo 6), no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) relativo à obra do “Acquário do Ceará”, demanda muita atenção. O diagnóstico é uma importante etapa do EIA, pois através deste é possível conhecer parâmetros como histórico de perturbação, área, perímetro, forma e vizinhança (Martins et al, 2002).
A questão ambiental se relaciona com a própria sobrevivência da espécie humana. Logo, a proteção do meio ambiente passa a ser uma exigência da população e, consequentemente, do mercado, que tenderá a rejeitar os produtos e empreendimentos onde não foram avaliados nem identificados os prováveis impactos ambientais diretos e indiretos, resultantes de alterações nos ecossistemas e na condição humana (Franco et al, 2005). Um diagnóstico ambiental mal elaborado pode – gerando este erro conseqüências ambientais desastrosas – associar uma imagem negativa ao
empreendimento em questão.
Já no início do capítulo 6, o estudo do “Acquário” trata das questões dos impactos causados por ruídos durante a obra. Apesar da correta e necessária a lembrança de citar os impactos causados pelos ruídos à circunvizinhança feita pelos autores, os ruídos são associados, em nível de ecossistemas, a animais silvestres.
Contudo, o estabelecimento em questão fica numa região de faixa de praia. Os impactos sobre a fauna marinha também deveriam ter sido relatados, pois são evidentes e preocupantes (Pedrini, et al, 2007).
Os ruídos são um problema na conservação da avifauna. O próprio EIA do “Acquário” cita a área a ser ocupada pelo empreendimento como possível região de passagem de aves migratórias. Segundo Pelanda (2007), são muitos os danos que podem ocorrer em uma população de aves durante os períodos de maior emissão de ruídos (como o verão e a maior movimentação de pessoas nesta época – no litoral). Esta mesma autora indica que são registrados maiores ferimentos em aves nos períodos de maiores ruídos.
Posto o que foi discutido acima, o aumento nos níveis de ruídos não é danoso para a biota somente durante as obras de instalação do empreendimento. Nos dia de funcionamento com maior freqüência de visita – principalmente nos períodos de alta estação turística – podem ocorrer muitos impactos negativos, tanto ante a fauna marinha, como silvestre.
O empreendimento em questão será construído em uma área antigamente ocupada por um prédio pertencente ao Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS). O próprio EIA analisado enfatiza isso algumas vezes, traçando o histórico da ocupação das regiões direta e indiretamente ligadas. Contudo, no estudo analisado o prédio do DNOCS já havia sido demolido, como mostra a imagem extraída deste documento (Figura X). Já se tinha faculdade que o “Acquário” seria instalado naquela área (Jornal O Povo, 2010). O EIA já deveria ser elaborado para a demolição do prédio do DNOCS seguida da construção do “Acquário”, ou seja, não poderia ser permitida a demolição – pelos órgãos ambientais – antes da apresentação de um estudo que contivesse não só os impactos da demolição, como também, da construção e utilização do aparelho em citado.

Figura X: Área após demolição do antigo prédio do DNOCS, foto extraída do Estudo de

Impacto Ambiental do Acquário Ceará. Fonte: Arquivo INFOAmbiental.

O risco de bioinvasão pela biota cultivada através de misturas de águas acidentais deve ser muito considerado. Esta problemática é tratada em outros parágrafos deste trabalho, porém, na análise do diagnóstico ambiental, é cabível ressaltar que – como evidenciado pelo próprio Estudo analisado – a maré pode chegar até o calçadão que margeia a estrutura. Na própria análise da série de marés apresentada no documento os dados se referem apenas aos meses de maio e junho de 1995. Ou seja, os dados refletem um restrito espectro de tempo e podem estar completamente defasados, tendo em vista que se referem a medições feitas há mais de 15 anos.
É importante que estes dados reflitam algo próximo da realidade. A entrada da água do mar no aquário aumenta o risco de bioinvasão e os efeitos desta para os ecossistemas nativos é devastador (Santos e Lamonica, 2008).
Na análise do meio biótico há muito que ressaltar e tentar construir criticamente soluções para melhoramento do Estudo de Impacto Ambiental. Pois algumas correções neste ponto deveriam ter sido propostas pelo órgão ambiental fiscalizador, tendo em vista que apontam falhas básicas na elaboração de qualquer documento técnico/científico.
Ao tratar das metodologias, o autor expõe que foi utilizado o “caminhamento aleatório” para auxiliar a caracterização da fauna. Não é citada nenhuma literatura para esta metodologia, deste modo, deve ter sido criada pelo autor do levantamento. Se este o fez deveria dar detalhes do que consiste a técnica e não usar simplesmente uma “expressão vulgar” esperando que esta explique como se deu a aplicação do método.
Adiante ocorre uma repetição de referências a bibliografias que não são citadas, por exemplo, na página 41, tópico Ecossistemas Aquáticos – encontra-se o seguinte parágrafo:
“Segundo estudiosos dos mares litorâneos abertos do Ceará, a fauna marinha é representada essencialmente por carnívoros, possuindo baixa
biodiversidade, que aumenta à medida que se atinge a plataforma externa, a uma profundidade média de 60 metros.”
Já da página 45, dentro do mesmo tópico, transcreve-se mais um parágrafo:
“Segundo pesquisas científicas, são relacionados para as costas cearenses 10 filos animais componentes do zooplancton: Protozoa, Cnidaria (larva), Ctenophora, Nemertinea (larva), Chaetognata, Echinoderma (larva), Mollusca (Heteropoda, Pteropoda e larvas de Bivalva), Polychaeta (larvas), Arthropoda (Crustacea: ovos, larvas e adultos), Chordata Larvacea (larvas e adultos) e peixes (ovos).”
Estes tipos de citações são vistas mais outras vezes no documento, que não serão transcritas para evitar alongar em demasia esta análise. Nos dois parágrafos citados, o autor faz referência a “estudiosos” e “pesquisas científicas” que não são associadas a nenhuma referência bibliográfica. Que confiabilidade pode ser atrelada a estas citações e aos dados a elas associados? Citações realizadas desta forma ferem a credibilidade de todo um trabalho científico.
Quanto à organização dos levantamentos biológicos, são tecidas outras críticas. A estrutura organizacional das listas de espécies são expostas em textos corridos e intercaladas com outras informações. O que dificulta a fiscalização, na leitura do texto, sobre as espécies encontradas, sua importância para o ecossistema e identificação de espécies protegidas por políticas de conservação. Seria mais adequada a utilização de
tabelas, que contivessem as espécies e demais táxons (pelo menos família) juntamente com a referência bibliográfica destes dados, ou referência ao próprio autor do EIA, caso seja observação pessoal.
Muitas das citações relativas aos levantamentos terminam com o “termo entre outras”. Isto significa que o esforço amostral para o levantamento não foi suficiente e deve ser repetido. Pelo menos até que seja menos ocorrente a possibilidade de espécies presentes no ambiente impactado não serem relatadas.
Outro problema do diagnóstico ambiental está localizado no tópico “Espécies de Interesse Científico ou Ameaçadas de Extinção”. Os golfinhos (Cetacea: Delphinidae), são bastante registrados para o município de fortaleza, inclusive para regiões muito próximas ao empreendimento (Oliveira, et al, 1995; Gurjão et al, 2004). Representantes de Sotalia fluviatilis, são registrados para a região, com a ponte dos ingleses sendo um ponto de observação destes que representam uma espécie de grande interesse científico (Oliveira et al, 1995; Pereira et al, 2007).
Também são relatadas para o litoral cearense, tartarugas marinhas. Sendo que dentre estas têm registro para o ceará e estão na lista de espécies ameaçadas de extinção: Caretta caretta, Chelonia mydas, Lepidochelys olivacea e Dermochelys coriacea (Ministério do Meio Ambiente, 2003). Algum estudo deveria ter sido realizado sobre a possível influência de ruídos ou outro tipo de poluição sobre estes animais e eles
deveriam ser mencionados no tópico que trata de espécies em extinção, mesmo não tendo hábitos de viver muito próximo à área ocupada pelo empreendimento.
A lista de espécies apresentada no EIA, não se trata de uma lista de espécies. Pois apresenta 25 “tipos de atrações” e não tem nenhuma preocupação em registrar os nomes científicos, necessários componentes de um trabalho técnico. A Figura Y mostra um recorte do texto na descrição das espécies do “Acquário”. Além disso, é citado que 5 espécies de peixes já vem sendo cultivadas para o “Acquário”, em um laboratório especializado. O cultivo só deveria ser iniciado depois de aprovação do EIA, afinal, caso não haja permissão do órgão competente, o que será feito com estes espécimes?

Figura Y: Parte da lista de espécies que integrarão o projeto Acquário Ceará, foto extraída do Estudo de Impacto Ambiental do Acquário Ceará. Fonte: Arquivo INFOAmbiental

Para análise do diagnóstico sobre o meio antrópico, começaremos citando um parágrafo do texto original do documento: “O município de Fortaleza, capital do estado do Ceará, juntamente com mais quatorze municípios compõem a Região Metropolitana de Fortaleza, os quais estão
vivenciando um crescimento econômico de forma planejada e estruturada, que contribuirá para elevar o índice de desenvolvimento econômico do Estado do Ceará.
Portanto, alguns índices e ou dados apresentados nesse estudo, por vezes, podem parecer defasados, devido ao ano de divulgação dos dados não ser do ano corrente, mas são seguros quanto à ótica de informações dentro do contexto econômico atual.”
A análise do parágrafo já propõe uma pergunta inicial: Que tipo de texto é um EIA? Um trabalho que deve ter confiabilidade quanto ao que afirma – respaldado cientificamente – ou somente um estudo feito em prol do contratante usando afirmações sem dados comprobatórios?
As afirmações são feitas sem nenhuma referência e o próprio autor deixa claro que apresentará dados defasados. Ainda infere que os dados são seguros no contexto atual sem mostrar nenhuma literatura ou dados pessoais que corroborem sua afirmação.
Na literatura, é possível encontrar estudos que discordam do autor do diagnostico ambiental do EIA. Segundo Nascimento (2011), Fortaleza é uma das 4 capitais com maior contraste econômico-social do Brasil e seu crescimento é injusto e desigual. Para ele, os espaços desta cidade estão sendo modificados para atrair valoração econômica e a própria praia de Iracema atrai o que ele chama de “culturalismo de mercado”. Onde a cidade vende uma impressão cultural que não faz mais parte de seus hábitos. Seguindo as ponderações deste autor, é difícil acreditar que
Fortaleza tenha um crescimento econômico planejado. Se algum dado mostra tal crescimento padrão, deveria ter sido explicitado.
A discussão poderia ter sido mais crítica, no documento. Ponderando melhor os impactos e com menos encanto para as proezas do empreendimento. É sempre bom ressaltar que o EIA deve ter uma abordagem idônea e não pode ser elaborado na ótica
de favorecer investidores privados, ou ao estado – no papel de empreendedor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Franco, E.S.; Lira, V.M.; Pordeus, R.V.; Lima, V.L.A.; Neto, J.D.; Azevedo,
C.A.V. Diagnóstico sócio-ambiental e ambiental de uma microbacia no município
de boqueirão – PB. Eng. ambient. – Espírit o Sa nto do Pinhal ,v. 2, n. 1, p. 100-1 14, jan / dez. 2005.
Gurjão, L.M.; Furtado-Neto, M.A.A.; Santos, R.A.; Cascon, P. Análise de conteúdos estomacais de quatro golfinhos (Cetacea: Delphinidae) encalhados em praias no litoral do Estado do Ceará, Brasil. Rev. biociên. Taubaté, v.10, n. 1-2, p. 39-45, jan./jun. 2004.
Jornal O Povo. Prédio do DNOCS é demolido para dar vez ao Acquário do Ceará. Extraído de:
http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2010/11/11/noticiafortaleza,2063244/predio-do-dnocs-e-demolido-para-dar-vez-ao-acquario-do-ceara.shtml. Acessado dia:25/06/2012.
Martins, I.C.M.; Soares, V.P.; Silva, E.; Brites, R.S. Environmental diagnosis within the landscape context of “Ipuca” natural forest fragments at the country
Lagoa da Confusão, Tocantins – Brasil. Rev. Árvore, Viçosa-MG, v.26, n.3, p.299-
309. 2002.
Ministério do Meio Ambiente. Lista nacional das espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção. República Federativa do Brasil. Instrução Normativa n.003.2003.
Nascimento, A.S. Cultura política e competição da/na metrópole: a requalificação dos bairros Centro e Praia de Iracema e a (RE) produção do espaço para o consumo em Fortaleza. In: XII Simpósio Nacional de Geografia Urbana:
ciência e utopia. 2011.
Oliveira, J.A.; Ávila, F.J.C.; Júnior, T.T.A.; Furtado-Neto, M.A.A.; Monteiro-Neto, C. Monitorament do Boto Cinza, Sotalia fluviatilis (Cetácea: Delphinidae) em Fortaleza, Estado do Ceará, Brasil. Arq. Cien. Mar. Forteleza. 29(1-2):28-35. 1995.
Pedrini, A.G.; Costa, C.; Newton, T. Maneschy, F.S.; Silva, V.G. Berchez, F. Spelta, L. Ghilard, N.P. Robim, M.J. Efeitos ambientais da visitação turística em áreas protegidas marinhas: estudo de caso na piscina natural marinha, Parque Estadual da Ilha Anchieta, Ubatuba, São Paulo, Brasil. OLAM, Ciência & Tecnologia. Ano VII. Vol. 7, n. 1. Pag. 678. 2007.
Pelanda, A.A.; Krul, R. Impactos humanos sobre aves associadas a ecossistemas marinhos na costa paranaense. Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Oceanografia, curso de graduação em Oceanografia, habilitação em Gestão Costeira, Setor de Ciências da Terra, UniversidadeFederal do Paraná. 2007.
Pereira, M.G.; Bazzalo, M.; Flores, P.A.C. Reações comportamentais na superfície de Sotalia guianensis (Cetacea, Delphinidae) durante encontros com embarcações na Baía Norte de Santa Catarina. Revista Brasileira de Zoociências 9 (2):123-135. 2007.
Santos, J.G.A.S.; Lamonica, M.N. Ballast water and bio-invasion: introduction of alien species associated with globalization. Vértices, v. 10, n. 1/3,jan./dez. 2008

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Inundação com São João – Hoje 30/06

É hoje, o pessoal sai da Praça da Gentilândia de bicicleta até a Ponte Metálica onde vai rolar o Arraiá.

 

 

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Procuradores do Estado alteram legislação e convencem juíza a desembargar obra do Acquário

Os procuradores do Estado do Ceará, Fábio Carvalho Peixoto e Germano Vieira da Silva, alteraram o conteúdo da Portaria IPHAN 230/2002, que normatiza a Lei federal 3924/1961, e com este argumento convenceram a juíza substituta, Débora Aguiar, a emitir uma sentença suspendendo dois embargos às obras do Acquário Ceará, impostos pelo IPHAN.

A Portaria 230/2002, em seu trecho introdutório, nos chamados “considerandos’’ é clara quanto aos seus propósitos: “considerando a necessidade de compatibilizar as fases de obtenção de licenças ambientais em urgência com os estudos preventivos de arqueologia, objetivando o licenciamento de empreendimentos potencialmente capazes de afetar o patrimônio arqueológico [grifo nosso]”.

No entanto, os procuradores estaduais apresentaram à juíza o seguinte conteúdo adulterado:

“Como se vê adiante, tal fundamento é absurdo [referindo-se ao embargo], uma vez que o objeto da citada Portaria 230/2002 é a “compatibilização e obtenção de licenças ambientais em áreas de preservação arqueológica” [grifo nosso]”.

Desconhecedora da legislação de proteção do Patrimônio Arqueológico, a juíza acatou o conteúdo adulterado.

Ainda que o instrumento legal designado “Portaria”, na lógica da chamada “Hierarquia das Leis”, seja um componente mais próximo da base da pirâmide, diferentemente do que ocorre com a Lei, o Decreto-Lei etc, seu conteúdo merece ser preservado, principalmente por se tratar de um artifício que no Brasil já garantiu a preservação e o estudo de sítios arqueológicos em “áreas de empreendimentos potencialmente capazes de afetar o patrimônio arqueológico”.

Outra argumentação utilizada pelos procuradores foi a interpretação infundada e superficial do Artigo 27 da Lei 3924/1961, a “lei da arqueologia”, para convencer a Justiça de que as ações de proteção e preservação do Patrimônio Arqueológico só podem ser direcionadas aos sítios já cadastrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Mas não é exatamente isso o que diz a lei 3924 e, como não leram com atenção, também não perceberam:

“Artigo 27 – A Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional manterá um Cadastro dos monumentos arqueológicos do Brasil, no qual serão registradas todas as jazidas manifestadas, de acordo com o disposto nesta lei, bem como das que se tornarem conhecidas por qualquer via [grifo nosso]”.

Deste modo, percebe-se que o CNSA não é uma ferramenta estagne, e o IPHAN deverá adotar mecanismos de fiscalização, proteção, estudo e preservação para novos sítios que vierem a ser descobertos, fazendo assim, cumprir as finalidades que lhe foram atribuídas por meio do velho Decreto 25/1937 e novo Decreto 6844/2009.

A título de informação, no que diz respeito ao Patrimônio Arqueológico do território cearense, existem atualmente 534 (quinhentos e trinta quatro) sítios arqueológicos cadastrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (http://portal.iphan.gov.br/portal/montaPaginaSGPA.do) e não 2 (dois), como afirmaram os procuradores. Melhor acreditar que não souberam usar as ferramentas de buscas da Internet. Do contrário, o que pensarmos, então?

A juíza Débora Aguiar sentenciou baseada, dentre outros argumentos, na questão infundada “de que a construção do “Acquário” irá ocupar uma área de apenas 25 metros de largura por 212 metros de comprimento, dimensão essa insignificante do ponto de vista arqueológico, em local já anteriormente edificado [grifo nosso] (…)”.

Diferentemente da juíza, mesmos os renomados arqueólogos brasileiros (Niéde Guidon, Tânia Andrade Lima, Marcos Albuquerque, dentre outros) e estrangeiros (Bahn, Leroi-Gourhan, L. Binford, dentre outros) não conseguiram até hoje chegar a um consenso sobre quantos metros um terreno precisa ter para ser considerado de potencial arqueológico. E se assim o fizessem, seria uma atitude por demais irresponsável, dada à peculiaridade dos sítios arqueológicos estarem assentes em profundidade, o que por sua vez não permite tal inferência. O fato é que muitos sítios arqueológicos são descobertos em áreas diminutas, inferiores aos 212 x 25 (5.300m²) da pretensa obra. No Estado do Ceará, por exemplo, virou lugar comum a descoberta de sítios arqueológicos na abertura de fossas sanitárias, em áreas inferiores a 3m². Estes sim, são os chamados “achados fortuitos”.

E por que defender que os estudos sejam realizados como obriga a lei?

A área pretensa para a construção do Acquário trata-se na verdade de um antigo complexo portuário da cidade de Fortaleza, por todo o decorrer do século XIX, chegando a meados do XX, quando as atividades foram transferidas para o Porto do Mucuripe. Parte desse complexo é representada por edificações ainda erguidas na atualidade, a exemplo da Ponte dos Ingleses (hoje desativada) e a Antiga Alfândega (hoje transformada em Centro Cultural da Caixa).

Fontes iconográficas do princípio do XIX (1811) atestam que no pretenso local das obras existiam no passado a casa de algodão, uma edificação de apoio às atividades portuárias, dentre outras. Estes remanescentes, já não mais existentes na memória dos cearenses, poderão ser descobertos sob pacotes de sucessivos aterros e restos de outras construções existentes no local.

Numa experiência exitosa na cidade do Rio de Janeiro, durante o acompanhamento arqueológico das obras para as Olimpíadas 2016, foram descobertos vestígios e significativas estruturas de uma região também portuária, sob espessos pacotes de aterro e restos construtivos recentes, conforme tem noticiado a imprensa nacional. As estruturas vão ao encontro das informações históricas e confirmam a presença do antigo Cais do Valongo, já não mais presente na memória da população atual. No Rio, as estruturas estão sendo estudadas e serão preservadas. Numa atitude sábia do governo local, elas estão abertas à visitação e, certamente, agregarão valor ao equipamento de engenharia em construção.

Por que em “Terras Alencarinas” deve ser diferente? Se os remanescentes existentes no local forem destruídos, quem assumirá a responsabilidade por esta atitude criminosa?

Leia também: Carta em defesa do Patrimônio Histórico de Fortaleza

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Já que temos que explicar a piada, a piada é você

Já que é tão importante para jornalista do Diário do Nordeste o nome do nosso movimento, vamos explicar: é uma piada.

Lembra aquela música que o Fagner canta e é composição de Juan Luís Guerra, que diz: “Quem dera ser um peixe para em seu límpido aquário mergulhar”. Pois é, se fôssemos peixes talvez fôssemos mais bem tratados e se o aquário fosse límpido, talvez não nos tivesse chamado atenção.

Vamos facilitar novamente e explicar porque o aquário não é límpido. Mas como de um grupo com esse nome ele não consegue ouvir, vamos eleger outros interlocutores.
Para saber porque essa ideia é totalmente sem fundamento econômico, leia Ricardo Alcântara em “Acquário promete um novo milagre dos peixes” (olha o peixe aí de novo). Para saber que o projeto queimou etapas no processo de decisão, ouça o deputado Heitor Férrer falando sobre como não havia o que decidir na Assembléia do Estado. A prioridade no orçamento e um bom comparativo foram tratados em nota redigida pelo CEDECA em “Acquario e a prioridade absoluta para os direitos sociais”. Para entender porque é possível a participação popular leia Adísia Sá em “Consulta Popular”, em que solicitou (e foi atendida) um plebiscito para a questão. Saiba que estudos arqueológicos já tiveram que ser respeitados até pela prefeitura de São Paulo, em obra infinitamente mais importante, como a obra do metrô.

Sobre as irregularidades reflita se não vale a pena investigar, nem que seja para ter paz de espírito, a legalidade de se fazer a obra sem licitação. Nos responda aonde serão os estacionamentos dessa grande obra, que conviverá com os varais expostos do prédio em frente, nessa genial decisão sobre a localização.

Mas voltando a nós.
O nome do movimento é uma piada. A primeira reação das pessoas é rir. É também engraçado ver procuradores e outras autoridades o pronunciando. Volta e meia alguém cantarola a música, Fagner seja louvado. Bom, sentimos dizer, mas isso é proposital. E é tão bom em termos de comunicação que nem você esquece esse nome.

Escolhemos uma piada como nome porque não somos movimento sério, tradicional, sindicalista, partidário ou de minorias. Não há estatuto, critério de entrada ou de saída. É só um ajuntamento de pessoas, muitos sem convivência prévia, que usam alguma inteligência e colaboração para agir politicamente.

Sim, Política é o que fazemos. Pessoas interessadas pelo destino da cidade é a base da democracia. Enfim, a palavra cidadãos etc etc… não achamos que precisamos explicar isso também.

Nos conhecemos em março de 2012. Desde então produzimos encontros, uma denúncia bem fundamentada, entendemos os mecanismos do Estado e os divulgamos, refletimos sobre a questão do licenciamento ambiental, que é um mecanismo legal e frágil em todo o Brasil, participamos e produzimos de seminários, convivemos com os movimentos de luta por moradia, falamos em planejamento urbanístico em uma cidade em que pouco disso se vê. Enfim, publicizamos um projeto que ninguém entendia em toda sua extensão e recebemos apoio de muita gente.

Nossa característica desde a origem foi a pluralidade, a abertura e a informalidade. Quanto mais melhor, por isso mesmo nunca escolhemos nossos aliados nem nossos inimigos. E até porque respeitamos muito os anarquistas que fazem parte desse ajuntamento,  cuidamos de permanecer livres da lógica eleitoral. Precisamos de todos, independente de partido. E já que você insiste, devolvemos essa carapuça que talvez te sirva.

Agora você: Porque você é a piada?
Bom, primeiro porque tivemos que explicá-la. Depois, porque você é tão afoito em defender o governo do estado nesse caso do Acquário, que consegue, sem cuidado com as regras mínimas da retórica, comparar a força de Cid Ferreira Gomes com a nossa, dizendo que ora perdemos e não dizendo (assim afirmando pela negativa) quando ganhamos.

Só podemos agradecer. Éramos completamente despretensiosos. Se o resultado fosse só uma passeata já teria sido bom. Mas agora temos a honra de sermos derrotados pelo grande governo do estado do Ceará. Você nos confirma a pedra no olho do gigante.

E olha que ainda estamos bem vivos.

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