Há tempos prometemos uma avaliação do EIA-Rima do Acquário sob o ponto de vista ambiental. Essa semana recebemos a colaboração do biólogo e mestrando em Ciências Marinhas Tropicais, Daniel Santos da Silva.
Ele expõe várias inconsistências achadas na leitura do EIA-RIMA do Acquário, do ponto de vista científico, requisito desse tipo de documento. São imprecisões que, a exemplo dos estudos arqueológicos, invalidam a análise já que não deixam base para se discutir os impactos que se buscaria analisar.
E pior, Daniel indica algo que também havia chamado nossa atenção, mesmo em uma leitura leiga. Em alguns momentos os autores do EIA comentam ações que só poderiam ser iniciadas depois da aprovação do próprio estudo. É um posicionamento claro de quem mais promove um empreendimento, do que o estuda propriamente. Ou seja, não é exagero dizer que o instrumento já era considerado aprovado antes mesmo de ter sido terminado, e isso explica o descuido em sua confecção. De fato, como aponta Daniel, houve mais cuidado em citar as atrações do parque temático em que se converte o Acquário, do que as espécies protegidas na orla de Fortaleza, que ele impacta.
Considerando esses pontos. Será mesmo que podemos acreditar que é mesmo à Ciência que se destina o Acquário?
Abaixo o texto na íntegra de Daniel Santos Silva, pós-granduando no Labomar, que em público agradecemos.
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O capítulo referente ao Diagnóstico Ambiental (capítulo 6), no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) relativo à obra do “Acquário do Ceará”, demanda muita atenção. O diagnóstico é uma importante etapa do EIA, pois através deste é possível conhecer parâmetros como histórico de perturbação, área, perímetro, forma e vizinhança (Martins et al, 2002).
A questão ambiental se relaciona com a própria sobrevivência da espécie humana. Logo, a proteção do meio ambiente passa a ser uma exigência da população e, consequentemente, do mercado, que tenderá a rejeitar os produtos e empreendimentos onde não foram avaliados nem identificados os prováveis impactos ambientais diretos e indiretos, resultantes de alterações nos ecossistemas e na condição humana (Franco et al, 2005). Um diagnóstico ambiental mal elaborado pode – gerando este erro conseqüências ambientais desastrosas – associar uma imagem negativa ao
empreendimento em questão.
Já no início do capítulo 6, o estudo do “Acquário” trata das questões dos impactos causados por ruídos durante a obra. Apesar da correta e necessária a lembrança de citar os impactos causados pelos ruídos à circunvizinhança feita pelos autores, os ruídos são associados, em nível de ecossistemas, a animais silvestres.
Contudo, o estabelecimento em questão fica numa região de faixa de praia. Os impactos sobre a fauna marinha também deveriam ter sido relatados, pois são evidentes e preocupantes (Pedrini, et al, 2007).
Os ruídos são um problema na conservação da avifauna. O próprio EIA do “Acquário” cita a área a ser ocupada pelo empreendimento como possível região de passagem de aves migratórias. Segundo Pelanda (2007), são muitos os danos que podem ocorrer em uma população de aves durante os períodos de maior emissão de ruídos (como o verão e a maior movimentação de pessoas nesta época – no litoral). Esta mesma autora indica que são registrados maiores ferimentos em aves nos períodos de maiores ruídos.
Posto o que foi discutido acima, o aumento nos níveis de ruídos não é danoso para a biota somente durante as obras de instalação do empreendimento. Nos dia de funcionamento com maior freqüência de visita – principalmente nos períodos de alta estação turística – podem ocorrer muitos impactos negativos, tanto ante a fauna marinha, como silvestre.
O empreendimento em questão será construído em uma área antigamente ocupada por um prédio pertencente ao Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS). O próprio EIA analisado enfatiza isso algumas vezes, traçando o histórico da ocupação das regiões direta e indiretamente ligadas. Contudo, no estudo analisado o prédio do DNOCS já havia sido demolido, como mostra a imagem extraída deste documento (Figura X). Já se tinha faculdade que o “Acquário” seria instalado naquela área (Jornal O Povo, 2010). O EIA já deveria ser elaborado para a demolição do prédio do DNOCS seguida da construção do “Acquário”, ou seja, não poderia ser permitida a demolição – pelos órgãos ambientais – antes da apresentação de um estudo que contivesse não só os impactos da demolição, como também, da construção e utilização do aparelho em citado.
Figura X: Área após demolição do antigo prédio do DNOCS, foto extraída do Estudo de
Impacto Ambiental do Acquário Ceará. Fonte: Arquivo INFOAmbiental.
O risco de bioinvasão pela biota cultivada através de misturas de águas acidentais deve ser muito considerado. Esta problemática é tratada em outros parágrafos deste trabalho, porém, na análise do diagnóstico ambiental, é cabível ressaltar que – como evidenciado pelo próprio Estudo analisado – a maré pode chegar até o calçadão que margeia a estrutura. Na própria análise da série de marés apresentada no documento os dados se referem apenas aos meses de maio e junho de 1995. Ou seja, os dados refletem um restrito espectro de tempo e podem estar completamente defasados, tendo em vista que se referem a medições feitas há mais de 15 anos.
É importante que estes dados reflitam algo próximo da realidade. A entrada da água do mar no aquário aumenta o risco de bioinvasão e os efeitos desta para os ecossistemas nativos é devastador (Santos e Lamonica, 2008).
Na análise do meio biótico há muito que ressaltar e tentar construir criticamente soluções para melhoramento do Estudo de Impacto Ambiental. Pois algumas correções neste ponto deveriam ter sido propostas pelo órgão ambiental fiscalizador, tendo em vista que apontam falhas básicas na elaboração de qualquer documento técnico/científico.
Ao tratar das metodologias, o autor expõe que foi utilizado o “caminhamento aleatório” para auxiliar a caracterização da fauna. Não é citada nenhuma literatura para esta metodologia, deste modo, deve ter sido criada pelo autor do levantamento. Se este o fez deveria dar detalhes do que consiste a técnica e não usar simplesmente uma “expressão vulgar” esperando que esta explique como se deu a aplicação do método.
Adiante ocorre uma repetição de referências a bibliografias que não são citadas, por exemplo, na página 41, tópico Ecossistemas Aquáticos – encontra-se o seguinte parágrafo:
“Segundo estudiosos dos mares litorâneos abertos do Ceará, a fauna marinha é representada essencialmente por carnívoros, possuindo baixa
biodiversidade, que aumenta à medida que se atinge a plataforma externa, a uma profundidade média de 60 metros.”
Já da página 45, dentro do mesmo tópico, transcreve-se mais um parágrafo:
“Segundo pesquisas científicas, são relacionados para as costas cearenses 10 filos animais componentes do zooplancton: Protozoa, Cnidaria (larva), Ctenophora, Nemertinea (larva), Chaetognata, Echinoderma (larva), Mollusca (Heteropoda, Pteropoda e larvas de Bivalva), Polychaeta (larvas), Arthropoda (Crustacea: ovos, larvas e adultos), Chordata Larvacea (larvas e adultos) e peixes (ovos).”
Estes tipos de citações são vistas mais outras vezes no documento, que não serão transcritas para evitar alongar em demasia esta análise. Nos dois parágrafos citados, o autor faz referência a “estudiosos” e “pesquisas científicas” que não são associadas a nenhuma referência bibliográfica. Que confiabilidade pode ser atrelada a estas citações e aos dados a elas associados? Citações realizadas desta forma ferem a credibilidade de todo um trabalho científico.
Quanto à organização dos levantamentos biológicos, são tecidas outras críticas. A estrutura organizacional das listas de espécies são expostas em textos corridos e intercaladas com outras informações. O que dificulta a fiscalização, na leitura do texto, sobre as espécies encontradas, sua importância para o ecossistema e identificação de espécies protegidas por políticas de conservação. Seria mais adequada a utilização de
tabelas, que contivessem as espécies e demais táxons (pelo menos família) juntamente com a referência bibliográfica destes dados, ou referência ao próprio autor do EIA, caso seja observação pessoal.
Muitas das citações relativas aos levantamentos terminam com o “termo entre outras”. Isto significa que o esforço amostral para o levantamento não foi suficiente e deve ser repetido. Pelo menos até que seja menos ocorrente a possibilidade de espécies presentes no ambiente impactado não serem relatadas.
Outro problema do diagnóstico ambiental está localizado no tópico “Espécies de Interesse Científico ou Ameaçadas de Extinção”. Os golfinhos (Cetacea: Delphinidae), são bastante registrados para o município de fortaleza, inclusive para regiões muito próximas ao empreendimento (Oliveira, et al, 1995; Gurjão et al, 2004). Representantes de Sotalia fluviatilis, são registrados para a região, com a ponte dos ingleses sendo um ponto de observação destes que representam uma espécie de grande interesse científico (Oliveira et al, 1995; Pereira et al, 2007).
Também são relatadas para o litoral cearense, tartarugas marinhas. Sendo que dentre estas têm registro para o ceará e estão na lista de espécies ameaçadas de extinção: Caretta caretta, Chelonia mydas, Lepidochelys olivacea e Dermochelys coriacea (Ministério do Meio Ambiente, 2003). Algum estudo deveria ter sido realizado sobre a possível influência de ruídos ou outro tipo de poluição sobre estes animais e eles
deveriam ser mencionados no tópico que trata de espécies em extinção, mesmo não tendo hábitos de viver muito próximo à área ocupada pelo empreendimento.
A lista de espécies apresentada no EIA, não se trata de uma lista de espécies. Pois apresenta 25 “tipos de atrações” e não tem nenhuma preocupação em registrar os nomes científicos, necessários componentes de um trabalho técnico. A Figura Y mostra um recorte do texto na descrição das espécies do “Acquário”. Além disso, é citado que 5 espécies de peixes já vem sendo cultivadas para o “Acquário”, em um laboratório especializado. O cultivo só deveria ser iniciado depois de aprovação do EIA, afinal, caso não haja permissão do órgão competente, o que será feito com estes espécimes?
Figura Y: Parte da lista de espécies que integrarão o projeto Acquário Ceará, foto extraída do Estudo de Impacto Ambiental do Acquário Ceará. Fonte: Arquivo INFOAmbiental
Para análise do diagnóstico sobre o meio antrópico, começaremos citando um parágrafo do texto original do documento: “O município de Fortaleza, capital do estado do Ceará, juntamente com mais quatorze municípios compõem a Região Metropolitana de Fortaleza, os quais estão
vivenciando um crescimento econômico de forma planejada e estruturada, que contribuirá para elevar o índice de desenvolvimento econômico do Estado do Ceará.
Portanto, alguns índices e ou dados apresentados nesse estudo, por vezes, podem parecer defasados, devido ao ano de divulgação dos dados não ser do ano corrente, mas são seguros quanto à ótica de informações dentro do contexto econômico atual.”
A análise do parágrafo já propõe uma pergunta inicial: Que tipo de texto é um EIA? Um trabalho que deve ter confiabilidade quanto ao que afirma – respaldado cientificamente – ou somente um estudo feito em prol do contratante usando afirmações sem dados comprobatórios?
As afirmações são feitas sem nenhuma referência e o próprio autor deixa claro que apresentará dados defasados. Ainda infere que os dados são seguros no contexto atual sem mostrar nenhuma literatura ou dados pessoais que corroborem sua afirmação.
Na literatura, é possível encontrar estudos que discordam do autor do diagnostico ambiental do EIA. Segundo Nascimento (2011), Fortaleza é uma das 4 capitais com maior contraste econômico-social do Brasil e seu crescimento é injusto e desigual. Para ele, os espaços desta cidade estão sendo modificados para atrair valoração econômica e a própria praia de Iracema atrai o que ele chama de “culturalismo de mercado”. Onde a cidade vende uma impressão cultural que não faz mais parte de seus hábitos. Seguindo as ponderações deste autor, é difícil acreditar que
Fortaleza tenha um crescimento econômico planejado. Se algum dado mostra tal crescimento padrão, deveria ter sido explicitado.
A discussão poderia ter sido mais crítica, no documento. Ponderando melhor os impactos e com menos encanto para as proezas do empreendimento. É sempre bom ressaltar que o EIA deve ter uma abordagem idônea e não pode ser elaborado na ótica
de favorecer investidores privados, ou ao estado – no papel de empreendedor.
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